A Yoga
D. Estevão Bettencourt
Muitos perguntam em nossos dias: será lícito a um cristão praticar a yoga? Não seria isso uma concessão ao paganismo? É o que vamos abordar, propondo, antes de mais nada, uma noção do que vem a ser a yoga.
A palavra “yoga" tem origem hindu e exprime a idéia de ligar, unir. Em português, deu jugo, conjugar, juntar. Em linguagem hinduísta, significa a união do homem aparente, tal como o conhecemos, com a realidade profunda que se acha latente dentro de cada indivíduo.
A yoga nasceu na Índia, num contexto panteísta. O panteísmo é a teoria que ensina que tudo (pan, em grego) é Deus (Théos, em grego). O panteísmo afirma que dentro do ser humano existe uma centelha da divindade, encarcerada no corpo humano e tendente a se libertar da matéria.
Para conseguir a libertação do corpo o homem deve, segundo a filosofia hinduísta, praticar, um conjunto de exercícios físicos e respiratórios; deve também observar um regime alimentar que lhe proporcione o domínio sobre a matéria e a possibilidade de se desprender do corpo ou desencarnar definitivamente. Enquanto a centelha da divindade (ou o espírito humano) conserva algum apego ao corpo, deve encarnar e reencarnar para exercer seu autodomínio, pagar suas faltas passadas e assim preparar sua desencarnação definitiva.
Ora, o conjunto de exercícios físicos e respiratórios que o hindu pratica para conseguir dominar o corpo, chama-se yoga; constitui a técnica da yoga. Esta técnica compreende posturas do corpo ditas “asanas", que estimulam o metabolismo, ativam a circulação do sangue, favorecem o funcionamento das glândulas e acalmam os nervos. Proporcionam, assim, paz de espírito e bem-estar físico, que facilitam a concentração. A yoga também recomenda o controle da respiração, pois esta tem importância em nossos fenômenos vitais; ela influencia o funcionamento dos nossos órgãos e é por eles influenciada.
Meditação: mente vazia e identificação com a divindade.
Notemos ainda que o yógui (aquele que pratica a yoga) hindu tem em vista, mediante os exercícios corpóreos, realizar a sua meditação. Meditação, para o hinduísta, não é o mesmo que para nós, cristãos; não significa reflexão, aprofundamento de um tema que leve à oração. Meditação, para o hinduísta, é o esvaziamento da mente; é fazer da mente uma folha branca ou uma tábua rasa. Assim pensa o yógui se libertar do reboliço do mundo sensível e entrar em repouso, identificando – se mais com a divindade.
Para esvaziar a mente das coisas sensíveis e concentrá-la na centelha divina que está dentro do homem, o yóguí hinduísta recorre, entre outras coisas, ao método dito “da japa" ou a repetição contínua de uma prece, de um nome santo ou de um versículo tirado dos livros sagrados da Índia. Assim: “Eu sou Brahman", “Eu sou a consciência mesma", “Eu sou isso", “Eu sou aquilo”... Essas palavras devem entrar pelos ouvidos do orante e atingir o seu subconsciente; aí, dizem as palavras fazem surgir a divindade ou provocam uma espécie de obsessão, que elimina da mente toda idéia profana.
São muitas as possíveis combinações de exercícios físicos ensinados pela yoga. O uso desses métodos é condicionado pelo tipo ou pela índole pessoal do aprendiz: em uns predomina a atividade intelectual consciente, em outros a necessidade do trabalho e da dedicação, em outros ainda o desejo de ascese e disciplina. De acordo com essas diversas categorias de temperamentos, distingue-se correntes de yoga diversas: a Yoga do Conhecimento, a da Dedicação, a da Ação, a Yoga Régia, a Hata-Yoga, etc.
A filosofia e a técnica da yoga: aspectos distintos.
Perguntamos agora: é lícito a um cristão praticar a yoga? Em resposta, façamos uma distinção entre a filosofia da yoga e as técnicas respectivas.
Como podemos ver, a filosofia da yoga não é cristã, pois professa o panteísmo e a reencarnação, duas concepções que não se coadunam nem com a mensagem do Evangelho, nem com a sã razão.
Com efeito, dizer que Deus é tudo o que vemos, ou dizer quê tudo é Deus, é uma aberração. Pois o que vemos é temporal, mutável, relativo, ao passo que, por definição, Deus é eterno, imutável, absoluto. Ora, não há continuidade entre o temporal e o Eterno, entre o relativo e o Absoluto. Ademais, Deus não tem parcelas nem centelhas, porque Ele não tem quantidade nem extensão.
Também a teoria da reencarnação carece de fundamento lógico. Ninguém pode dizer que pecados cometeu numa encarnação anterior, e muito menos que deve expiá-los na vida presente. Se fosse assim, estaríamos pagando por faltas que ignoramos, o que não é pedagógico.
Além do mais, para o cristão o mundo não é mau, não é ilusão, nem o corpo é cárcere. Deus é o Criador de tudo o que existe; Ele fez todas as coisas boas. O pecado é que trouxe a desordem a este mundo. Por conseguinte, não é possível a um cristão abraçar a filosofia hinduísta, dentro da qual teve origem a yoga.
Acontece, porém, que a yoga exercícios corporais e regras de saúde que podem ser assumidas, independentemente da respectiva da filosofia. Não há dúvida, as energias do nosso organismo podem ser aproveitadas de maneira mais racional, beneficiando o nosso metabolismo. Ora, os orientais têm explorando muito esse tipo de medicina natural, utilizando os recursos do próprio corpo para restaurar ou fortalecer a saúde do organismo. Tal é o caso da yoga e da acupuntura.
Por isso, pode-se dizer que é lícito a um cristão recorrer às práticas da yoga e da acupuntura, contanto que guarde o seu modo de pensar genuinamente cristão. Os exercícios corporais são algo neutro do ponto de vista religioso; assim, podem ser utilizados numa perspectiva autenticamente cristã. Existe mesmo um livro de um autor católico chamado Yves Monchanin, que se diz “o yógui de Cristo” e narra os bons resultados corpóreos obtidos mediante a yoga, na sua obra La Voie du Silence (A vida do Silêncio), de 1956.
É preciso, porém, observar que muitos dos mestres de yoga que no Brasil dão aulas de exercícios, insinuam a filosofia panteísta e as concepções não-cristãs que alimentam a yoga em seu berço hinduísta. Assim, insensivelmente vão passando para os seus discípulos as nações e teorias originárias do panteísmo ou a idéia de que o nosso verdadeiro eu é divino, e temos o que descobrir mediante as posturas do corpo, o silêncio, a repetição de certos vocábulos ou mantras...
Muitos católicos despreparados vão absorvendo essas concepções, sem se dar conta de que não se compatibilizam com a fé católica.
Daí a importância da distinção entre os exercícios ou a técnica da yoga (coisa neutra, do ponto de vista religioso) e a filosofia dos mestres hinduístas (de índole panteísta, não cristã). Quem assim distingue, pode praticar a yoga, sabendo que trata de uma terapia, um tratamento de saúde, e não uma mística ou um método de meditação.
O cristianismo tem seus próprios métodos de meditação, ensinados por Santo Inácio de Loyola, Santa Tereza d'Ávila, Santo Afonso Maria de Ligório... São os frutos de uma venerável tradição que formou uma multidão de santos e santas heróis e heroínas.
Fonte: Editora Cléofas
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